Promover uma cultura organizacional inclusiva nas empresas é um dos grandes desafios para que as pessoas com deficiência (PCD) sejam abraçadas pelo mercado de trabalho. Algumas medidas, como a Política de Cotas, auxiliam na inserção dessas pessoas no ambiente empresarial, mas ainda assim existe uma lacuna quanto ao que, de fato, se espera sobre inclusão.
No Espírito Santo, a professora de educação profissional, Janine Gomes da Silva, decidiu empreender para contribuir com a transformação de empresas que desejam realmente ser inclusivas. Hoje ela disponibiliza, através da startup Klumie, um banco de talentos de PCDs para que empresas possam recrutar profissionais com algum tipo de limitação. O principal trabalho é realizado com pessoas surdas, a partir de um recrutamento humanizado.
“Inicialmente a gente faz um teste vocacional com os surdospara a orientação de carreira, porque grande parte nunca teve contato com trabalho formalizado. Conversamos com eles, com a família, entendemos a cultura, os pontos fortes, as competências socioemocionais que ele já possui e o quea gente podedesenvolver. No banco de talentos, classificamos pelo tipo de competência técnica e socioemocional e fazemos esse encontro com o que as empresas precisam, seja para cumprir a lei de cotas ou simplesmente por serem mais inclusivas. A partir desse banco de talentos fica mais fácil de planejar a inclusão deles nas empresas”, detalha Janine.
Todo esse trabalho é assessorado por uma equipe multifuncional, que envolve psicólogos, assistentes sociais e especialistas da Klumie com foco no desenvolvimento de competências técnicas desse recrutado. E a atuação da startup não para por aí, assim como os surdos são qualificados para assumirem as funções demandadas pela empresa, as empresas também são preparadas para receber esses profissionais, e há um acompanhamento de todo esse processo ao longo de um ano.
“Um dos grandes pontos é o estabelecimento de consultoria para aumento de performance dos surdos nas empresas, porque grande parte deles, por se sentirem invisíveis e fora da equipe, acabam desistindo. Por outro lado, como as empresas não conseguem se relacionar pela barreira da comunicação, acabam rompendo essa contratação. Então a gente planeja um programa de imersão com capacitação para os surdos, além do acompanhamento do processo interno da equipe e das lideranças das empresas, com treinamentos para que o processo de adaptação seja humanizado, da melhor forma possível”, conta a empreendedora.
Desde o início do projeto, Janine pode contar com a parceria do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Espírito Santo (Sebrae/ES), onde fez cursos e capacitou-se para desenvolver a startup.
“O Sebrae/ES tem nos auxiliado desde o início. Recebemos um diagnóstico relacionado à nossa empresa, o que nos direcionou para ações de governança. Também recebemos várias consultorias gratuitas nas áreas de branding, marketing, vendas, precificação e modelos de negócios. Em 2021, participamos do Trilha SebraeUp e recentemente fomos classificadas para a etapa estadual do Sebrae Like a Boss, que nos levou a participar do Programa PIC, uma parceria do Sebrae com as empresas Juniores da UFES. Isso mostra a representatividade do Sebrae/ES no ecossistema de inovação do Espírito Santo, bem como a sua força em impulsionar empreendedores ao mercado”, declara a founder da Klumie, Janine Gomes da Silva.
Experiência
A ideia de atuar para a inclusão de pessoas surdas no mercado de trabalho surgiu após uma experiência da Janine Gomes em sala de aula, quando, em 2016, ela recebeu um aluno surdo e percebeu que não estava preparada para lidar com aquela situação.
“Eu nunca tinha tido contato com surdos em sala de aula, não conhecia a cultura surda, não sabia como deveria ser a minha postura, e a barreira de comunicação era um fator extremamente limitante. Eu entendi que era o meu papel como professora, que não estava sendo bem cumprido naquele momento, assim como o meu papel como ser humano, porque eu não tinha buscado, até então, entender melhor o que eu deveria fazer e isso impactou a minha vida porque ele acabou desistindo do curso”, relembra.
Esta é uma realidade que se repete. As barreiras na comunicação, na acessibilidade dos conteúdos escolares, entre outros fatores, promovem uma defasagem educacional para pessoas surdas e consequentemente, com impactos no mercado de trabalho.
A última Pesquisa Nacional de Saúde, referente a 2019, aponta que no Brasil existem 2,3 milhões de pessoas surdas. Quando relacionado com a população em geral, apenas 0,5% das pessoas que concluíram o ensino superior tinham deficiência auditivae 2,9% das pessoas com 18 anos ou mais de idade sem instrução ou com nível fundamental incompleto também tinham essa condição.Na população fora da força de trabalho, considerando a idade a partir dos 14 anos,2,6% tinha deficiência auditiva.
“O propósito de transformar sonho em realidade é o que move a Klumie para que a cada dia a gente estabeleça novas metas para alcançar cada vez mais pessoas surdas e agora pessoas com outras deficiências. A gente percebeu que se excluíssemos as outras pessoas, nós não seríamos uma empresa inclusiva, então nosso foco principal são os surdos, mas a gente também olha para as outras pessoas com deficiência para que elas acessem o mercado detrabalho”, relata a founder da Klumie.
Modelo de Negócio
Quando surgiu a ideia da Klumie, o modelo de negócio da startup era outro. “Inicialmente, o nosso foco era no surdo consumidor, mas ele não tinha poder de compra e a partir de várias mentorias a gente identificou uma nova oportunidade que eram as empresas que precisam se adequar àLei de Cotas, ou serem mais inclusivas ou fortalecerem o pilar social ESG”, explica Janine.
A startup está no mercado, de fato, há quatro meses, e o novo modelo de negócio já tem atraído clientes tanto no Espírito Santo quanto em outros estadosbrasileiros. O período agora é de mapeamento de potenciais clientes da Klumie.
“Muitas empresas, especificamente na área de surdos, estão dispostas a contratar, mas elas não estavam conseguindo chegar a esse cadastro de surdos. Agora, estamos no mercado para a inclusão dessas pessoas nas empresas com o treinamento das equipes e lideranças para recebê-las e com a Central de Intérprete de Libras que funciona em todo o Brasil”, destaca Janine.
Para a Janine há também uma mudança no entendimento das empresas sobre a inclusão, o que é um ponto positivo para o projeto.
“Eu percebo que, principalmente agora, com a necessidade de muitas empresas ampliarem o seu posicionamento social, até mesmo pelo ESG, a questão da inclusão social está muito mais valorizada. Por mais que seja uma imposição, umalegislação que deve ser cumprida, algumas empresas já têm isso dentro do seu escopo, que é atentar para inclusão e diversidade. E eu acho que essas empresasprecisam promover essa inclusão, para que ela realmente faça parte da sua estratégia de mercado, estratégia social”, enfatiza.
A expectativa é conseguir, em um ano, inserir em torno de 800 surdos no mercado de trabalho a partir da Lei de Cotas.
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